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Fragmentos de Vidas #26



Miguel Ángel Martin, vinte e um anos, divertido, simpático, alegre, animado, conversador, ...
Uma conversa que junta a Península Ibérica na mesma mesa, um espanhol e um português, numa conversa franca, num só idioma, o da saudade. Esta é uma conversa que tem como base o programa Erasmus+ e a sua importância na vida de tantos jovens.

Playlist da Entrevista:


Se te fossem garantidos três desejos o que pedias ou o que querias?
Perfeito … O primeiro deles eu acho que seria ter o dinheiro suficiente para viajar, para fazer viagens, não muito dinheiro para fazer muitas coisinhas, dinheiro para viajar. Uma outra coisa que pedia era saúde, para mim e para os meus, minha família e amigos mais próximos e também … o terceiro desejo seria … (pensativo). É muito complexo isto! É uma das perguntas que sempre se faz, mas nunca pensei nisto … Pode ser o amor, mas não apenas da pessoa com que estou, também dos meus. Ter alguém com quem compartir os bons momentos, eu acho que essa é uma das melhores coisas da vida.

O quê e quem é importante numa noite de tempestade?
Eu acho que uma cama para me tapar, para não ver e não sentir muito e com quem, eu acho que com o meu namorado porque ele me relaxa.

Ser livre é ter tudo o que queremos? 
Não é, não! Na vida tens de ter restrições, a liberdade é uma utopia, não faz sentido na nossa forma de viver. Se tivesses tudo o que queres, querias mais, quanto mais tens, mais queres. A liberdade é infinita, a nossa vida não é infinita, então não. Mas, és livre? Eu acho que sou livre, mas não em todos os extremos, livre nas minhas decisões e na minha vida, mas não na vida em que vivo. Eu estou a estudar o que quero, mas não sou livre porque estou a estudar esta e esta cadeira que eles me obrigam, então sou livre em certa medida, como todos. A liberdade absoluta é uma utopia que eu acho que não existe.

Se ganhasses uma viagem com destino à tua escolha para onde ias e quem levavas contigo?
Quantos viajantes? Isso é importante! Eu gostaria muito de ir para Istambul, na Turquia, é uma das cidades que mais vontade tenho de conhecer, gostaria muito de entrar na Santa Sofia, acho que é uma das grandes construções do mundo, é por isso que gostaria de ir lá. Mas também acho que é um destino muito fácil, então se tiver a oportunidade de viajar para qualquer parte, eu iria ou para a Cidade do México, não sei porquê, mas gosto muita da cultura mexicana, ou então para o Brasil … Sabes falar as duas línguas! Sim, é por isso, estou a praticar e acho que o meu português é mais brasileiro que português, acho que é um mundo muito diferente. E com quem, eu acho que com a minha mãe, o meu irmão, porque sempre fui com eles para muitos lugares, conheci muitas cidades da Europa com eles e gostaria de dar-lhes essa prenda. No Brasil alguma cidade em especial ou um pouco por todo o país? Não sei, gostaria de ir para o Rio [de Janeiro] porque é a mais conhecida, mas pode ser que se eu procurar na net o Brasil tenha muitas mais cidades belas e muito mais artísticas, mais interessantes, não com tanta população para conhecer a cultura do Brasil.

Traição ou mentira, qual o pior? 
Mentira, porque eu acho a mentira é uma traição e a traição, só é traição, então a mentira tem duas coisas, a mentira propriamente dita, mas também a traição, porque se queres alguém não dizes mentiras. Podes dizer mentiras piedosas se fazem parte de um plano para fazer feliz a pessoa a que estás a mentir, senão eu acho que a mentira é uma traição.


Como tomaste a decisão de fazer Erasmus? 
Ainda não sei. (risos) Eu já conhecia a bolsa Erasmus, aqui é muito conhecida, eu sempre falei com a minha mãe, com os meus pais, de fazer no futuro, mas foi uma coisa “sim, quando chegar, quando chegar”, quando chegou eu estava no 2º ano da minha licenciatura [História da Arte], eu não pensei, eu sempre quis, fui. Preenchi os formulários e quando comecei a pensar, já estava em Lisboa, na minha casa. 

Porquê Portugal? Porquê Lisboa? 
É uma muito boa pergunta, nunca falámos disto. Eu estive em Lisboa no ano 2009 com a minha mãe e o meu irmão. A minha mãe disse-nos que íamos para Paris, esta ia ser a minha primeira viagem para o estrangeiro, para uma grande cidade, como é Paris, eu tinha muita vontade de conhecer a cidade, fiquei muito feliz, dois dias depois, mais ou menos, ela disse-nos que antes de irmos para Paris íamos a Lisboa, o meu irmão e eu olhámo-nos e perguntamos porquê, era uma cidade que não fazia sentido fazer uma viagem porque está muito perto, sete horas de carro, era uma cidade que na minha cabeça ia ser a mesma coisa que Valladolid, apartamentos e apartamentos, não fazia sentido fazer uma viagem para isso quando dois meses depois íamos para Paris. Mas quando voltei de Paris, já tinha conhecido Lisboa e aí eu disse “a melhor cidade é Lisboa”, gostei muito, achei que ia encontrar uma cidade feias, sem sentido, sem coisas para fazer, mas gostei muito dos portugueses, da cidade, … Quando estive lá disse “eu quero morar aqui!”, quase dez anos depois pude fazê-lo. Foi por isso que eu escolhi Lisboa, eu queria viver lá, eu queria fazer um Erasmus sim, mas tinha de ser em Lisboa, não outra cidade. 

Quais as maiores diferenças entre Portugal e Espanha ou Lisboa e Valladolid? 
Uma das grandes diferenças é o supermercado, em Portugal tudo está aberto aos domingos, aqui não. Agora, cinco meses depois, muitos dos dias eu penso, para comprar pão, “domingo … não posso ir”, não posso comprar, é o pior de não morar em Lisboa. Como eu compreendo … Estás de acordo, não é? É o pior! Há diferenças entre as pessoas, eu acho que em Lisboa as pessoas são muito mais agradáveis, aqui cada um vai no seu mundo sem dizer sequer “olá” e lá eu tinha mais conversas com pessoas. 

Quais as expectativas que tinhas? 
Conhecer pessoas, fazer amigos, divertir-me muito, acho que é isso tudo. É o melhor do Erasmus, na minha opinião, para além das aulas, da língua, morar sozinho, poder fazer a comida, lavar a roupa e tudo isso que é muito interessante, cresces muito como pessoa, aprendes como ficar sozinho no mundo, mas o mais importante é fazer amizades, fazer novos vínculos como pessoas de diferentes lugares, que têm diferentes pensamentos, que vivem de diferentes formas, abrir a minha mente foi importante. 

Como foi passar o Natal e o Ano Novo em Portugal? 
Bem, vou dizer duas coisas, foi uma muito boa experiência, eu repetiria mil vezes, eu não gosto do Natal, nem do Ano Novo, assim que também não tenho problemas por não os celebrar. Mas tive a oportunidade da minha mãe fosse para Lisboa, então foi uma celebração em metade, não estava na minha casa, mas estava com a minha família noutra cidade, o importante não é onde, mas quem. É uma frase que ultimamente as pessoas usam nas redes sociais e aqui é a melhor. O que achas do Dia de Reis em Portugal? No meu Dia de Reis, acordei às seis da manhã, fui para a faculdade e tive dois testes, dois. Quando era um rapaz, ficava na minha casa a jogar. Não há problemas, mas não gostei, é um dia festivo em que geralmente não fazes nada, mas estava noutro país, com outra cultura, com outras tradições, não fazem Reis não há problema, não é muito importante. (Riso) 

Como foi a adaptação ao idioma e à escrita? 
Eu estive a estudar português pela minha conta, sem professor, com um livro no verão, de uma das minhas amigas que está a estudar tradução, ela teve um semestre de português, estive também a pesquisar coisinhas na net. Eu não tinha conhecimentos de português, comecei do zero e quando eu estudava, cada dia aprendia mais coisas, era um crescimento, mas quando cheguei a Lisboa a senhoria começou a falar português, tive três meses a estudar uma língua e não compreendi coisa nenhuma, foi horrível, tive de lhe dizer para falar em inglês, o meu inglês não é muito bom, mas era melhor que o meu português. Eu tive os primeiros dias nas compras e não se fala muito, não há problema, mas quando cheguei à faculdade, nas relações internacionais falaram-me em espanhol, não tive problema, mas os professores não iam dar as aulas em espanhol, eu compreendi quase tudo. O meu primeiro professor foi o Vítor Serrão que não é muito fácil para compreender, usa palavras muito complexas, daí para a frente eu fui compreendendo muito mais, no fim eu compreendia até as piadas.


O que aconselhas a quem quer fazer Erasmus? 
O mais importante é não ter vergonha, eu diria que é a única coisa importante, porque não ter vergonha leva para chegar a tudo o que queres. Na pergunta da liberdade, podes ser livre se não tiveres vergonha, mas não é uma vergonha de “vou fazer mal”, é não ter vergonha em fazer amigos, se não compreendes qualquer coisa perguntar ao professor ou ao colega de casa, a vergonha é o pior do mundo, no Erasmus e na vida em geral, mas quando ficas noutro país sem pessoas que conheces, tens de fazer vida lá, não podes ter vergonha, se tens vergonha não vais melhorar, vais estar como no primeiro dia e para isso tens de fazer amigos, não importa que digas uma coisa que não faça sentido, tens de te rir, de viajar, tens de colocar uma pergunta nas aulas se não compreendes, perguntar a um amigo se pode corrigir o teu trabalho, fazer do ano como se fosse um sonho porque nos sonhos não há vergonha. O melhor em Erasmus é desfrutar de tudo aquilo que a sociedade nos impede, em Erasmus tudo é possível, tudo é permitido. Tens de aproveitar porque quando regressas para o teu país as regras voltam a existir, então tens de aproveitar. 

Há alguma coisa que te arrependas de não ter feito o ano passado? 
(Pensativo) Eu acho que nos primeiros meses não fui muito para a famosa e agora encerrada discoteca, Urban, eu acho que devia ter ido mais, todas as noites que passei lá desfrutei muito. E na tua vida em geral? Eu sempre penso sempre que quando fiz algo é porque achava que tinha de fazer, então o arrependimento não faz sentido. Eu posso ter arrependimento agora, mas não tenho de pensar no agora, tenho de pensar no meu eu do passado, se eu fiz foi porque queria, algumas coisas teria sido melhor se eu calasse a boca. Não é um arrependimento real de ter feito ou não, para a próxima não há problema. 

Tiveste momentos em que te sentiste sozinho? 
Na realidade eu acho que não, a amiga que me deu o livro de português, ela foi no ano anterior a que eu estive em Lisboa para Edimburgo, ela disse-me que se sentiu muitos dos dias sozinha, porque não podia ficar com o seu namorado, a sua família, os seus amigos. Eu pensava que ia sentir-me sozinho alguma vez, mas eu cheguei tive contacto com os meus colegas do apartamento, com as pessoas na rua, com os meus daqui de Valladolid, eu tinha contacto com eles, então eu não fiquei sozinho, tinha esse contacto com eles e ao mesmo tempo novidades. Eu sou um homem que gosta de novidades na vida, gosto de ter as pessoas de sempre, mas também novas. Eu nunca pensei “quero voltar”, eu queria ficar mais, por mim, agora estaria em Lisboa. 

Alguma coisa mudou na tua vida depois de Erasmus? 
Sim, muitas. Falei no outro dia com um amigo sobre isto, eu tinha colocado muitas regras na minha vida, quando fui para Erasmus, as minhas regras romperam-se, eu pensei, “é humano, não há problema, se eu não estudo não há problema, estudo no próximo, se eu não vou às aulas um dia não há problema, porque quero ir surfar”, mas as minhas regras daqui não eram assim, eu tinha de ir para as aulas, se queria surfar não podia porque tinha aulas, tens de ir quando não tiveres aulas. No Erasmus eu quebrei as minhas próprias regras, que ninguém me tinha colocado, e agora seguem rotas, é das melhoras coisas do Erasmus. Posso fazer muitas coisas sem a importância dos horários. 

Em Erasmus, a faculdade, as aulas, os colegas de turma, como são e o que pensas? 
É uma boa pergunta! Eu achei que ia ser a mesma coisa daqui, salas pequenas, pessoas faladoras, com os bancos inamovíveis, quando cheguei lá vi que era muito diferente, mas muito interessante também, os professores muito mais próximos do que são aqui, as aulas não têm tantos dados, tem mais reflexão. As pessoas são muito menos faladoras, quase sempre chegavam e ficavam calados, sentados na cadeira até que o professor chegasse. Aqui todo o mundo fala, dizem piadas, lá é muito mais formal, mais importante, aqui também, mas as pessoas são mais relaxadas. 

Conheceste muitas pessoas em Erasmus? 
Conheci muitas, não sei quantas. Fizeste muitos amigos? Sim, fiz. De várias nacionalidades? Sim, de várias. Conheci uma rapariga da Turquia, pessoas do Brasil, da Argentina, do Chile, Portugal, como é óbvio, Itália, França, de diferentes locais … E o amor surgiu? Sim, surgiu. (Sorriso)


O que é preciso para te conquistarem? 
(Risos) Não sei, sou muito complexo, nem eu me conheço, é impossível dizer, mas acho que a melhor forma é a naturalidade, gosto muito de pessoas que dizem o que acham, que se riem, que não têm vergonha. 

Consideraste uma pessoa romântica? 
Não! Não sei, depende … Qual a coisa mais romântica que já fizeste por alguém? Ainda não fiz! (risos) Sempre achei que dizer “o meu amor” e todas essas palavras muito bonitinhas não faziam sentido, mas quando te apaixonas por alguém dizes e pensas que disseste e não gostava disso, é o mais romântico no meu sentido, porque pensei que nunca ia dizer isso, agora uso. Não sou muito romântico, para um jantar romântico todo bonitinho, sou mais para um jantar sentado no sofá a ver um filme, uma salada para dois, no mesmo prato. É algo romântico, mas diferente. 

Sempre gostaram de ti da forma que tu querias que gostassem? 
Eu acho que sim, eu tenho muitos amigos e muita família que me quer, mas também há pessoas que não me suportam, que não compreendem como sou, ou as coisas que faço, sou uma pessoa muito contraditória, gostaria de não ser assim, mas é o que há. Acho que os teus amigos, família, namorado, namorada, tem de gostar de ti como és, se mudas não és tu, isso não é bom. 

Quantas são as pessoas que sabes que estarão lá para ti nos bons e nos maus momentos? 
Tenho várias, eu utilizo a palavra amigo como conhecido quase, eu sou amigo porque falamos, mas grandes amigos tenho três. 

Alguma coisa ficou por dizer a alguém? 
Devia ter dito a algumas “és um bocadinho estúpido”, mas fiquei calado. A palavra que eu uso é “lerdo”, e não tenho vontade de discutir com essa pessoa porque não faz sentido, mas quando chego a casa, vejo que devia ter dito, é demais. 

Quem é o teu pilar nesta vida? 
A minha mãe.


Como é o teu ideal de família? 
É a família que tenho, moro com a minha mãe e com o meu irmão. E a família que tu queres construir? Eu gostaria de ter dois filhos com o meu namorado, viver normal, estudar, trabalhar, ter a nossa vida, mas alguém em comum. 

Como te vês daqui a dez anos? 
Eu gostaria de estar a trabalhar na faculdade. Não sei, não quero pensar porque vai ser muito difícil. Em algum momento te imaginas a viver em Lisboa? Sim, eu estou a estudar português, eu quero voltar para Lisboa com uma bolsa, gostaria muito de voltar e morar lá um outro ano, ou dois ou mais, não para toda a vida porque também quero morar noutras cidades de Espanha, mas eu gostaria … não, eu não gostaria, eu quero e irei voltar! 

Do que tens medo? 
Da noite, não gosto muito, sou um bocadinho medroso. Não, da noite, da festa, mas do escuro, do vento, das luzes, mas se quero ser mais filosófico, também tenho medo de ficar sozinho no mundo, mas da morte não tenho medo … 

Como gostarias de morrer? 
Um dia na minha cama, fechar os meus olhos, deitar-me feliz e não me levantar mais, sem dores, sem doenças longas. 

Acreditas que há vida depois da morte? 
(Silêncio) Eu acho que não, eu não sou muito cientifico, nem religioso, então não sei muito bem.


Acreditas em Deus? 
Sim, acredito. Porquê? Sempre acreditei e não vou mudar. Eu posso pensar se é certo ou não, mas para isso tenho de colocar fatores da ciência que não compreendo e não gosto. 

O que achas dos preconceitos da nossa sociedade? 
Eu tenho muitos, tenho preconceito com algumas pessoas, mas o preconceito para mim, é pensar muito mal de uma pessoa, mas não é por isso que vou deixar de falar ou sorrir, porque és uma pessoa, graças ao preconceito já descobri grandes pessoas, mas também já me dei conta que pessoas que eu achei que eram muito boas, logo não são. É uma caixinha de surpresas, eu tenho muitos e sei que não são bons, mas é indispensável, a imagem é tudo na nossa sociedade, todo mundo vai-se dividir pela beleza, cara, formas, etnia, … Pela etnia eu nunca tive preconceitos porque há boas e más pessoas em todo o mundo. O preconceito é quase impossível de eliminar. Já sofreste algum tipo de preconceito? Sim, algumas vezes … 

Quando te olhas ao espelho vês quem querias ser? 
Para dizer a verdade eu nunca pensei muito no que quero ser, eu mudo muito de opinião, agora quero isto, depois quero aquilo. Assim, quando olho para o espelho vejo o que quer o meu eu de hoje, porque geralmente eu consigo fazer o que quero no dia a dia. Agora não estou a pensar em quem quero ser nos próximos anos. 

Ficou alguma coisa por dizer? 
Eu acho que não. Eu disse quase tudo … 

O que quer o teu coração? 
Quer viver, quer fazer muitas viagens, conhecer o mundo e muitas pessoas, estudar mais, conhecer mais, saber mais de arte, sorrir, rir, chorar, que também é muito importante, é tudo isso. É viver, todos os momentos, os bons, os maus, os grandes, os pequenos. É isto que o meu coração de hoje quer, talvez o de amanhã, queira outra coisa, não sei.


Tenho de agradecer mais uma vez ao Miguel e dar-lhe os parabéns por falar tão bem português, um dos idiomas mais difíceis de aprender.

Instagram: @midraelem

Diogo Pereira Mota

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